Atlético Goianiense | Site Oficial
30/01/2021
Não é segredo para ninguém que o São Paulo foi uma das inspirações e paixões dos fundadores do Atlético Goianiense. Todos os relatos históricos dos livros de Lisita Jr, João Batista Alves Filho, José Mendonça Teles, Horieste Bomes, e Bariane Ortencio refirmam que o escudo atleticano, em formato de diamante, utilizado já desde os anos 30, bem como a camisa branca nº 2, com listras horizontais vermelhas e pretas, foram inspirados no tricolor paulista. O clube paulista é de 1930 e o Dragão Goiano é de 1937.
Os motivos para tamanha admiração dos fundadores do Dragão pelo São Paulo eram consideráveis, entre 1930 e 1935, o então melhor jogador do Brasil, Arthur Friedenreich, jogava pelo clube paulista, e, detalhe, o amado estádio Antônio Accioly, do rubro-negro goiano, quase teve o nome de “Estádio Arthur Friedenreich” na ocasião de sua inauguração oficial, em 1947, só não o foi devido a um abaixo-assinado de torcedores, mas, vejamos, as conexões com o tricolor paulista vem de longa data.
Nos anos 40 o Atlético revelou Dido, um grande jogador oriundo da base, campeão goiano pelo rubro-negro em 1944 (aos 16 anos) e em 1947, quando também foi o artilheiro do campeonato estadual com 17 gols. Dido após se destacar no Dragão foi para o São Paulo, onde atuou em 1950 e 1951, e logo após foi para o futebol italiano. Nesse período, Dido destacou-se em uma equipe do São Paulo, que contava com nada menos que 5 jogadores da Seleção Brasileira, em ano de Copa do Mundo, e teve como técnicos o ex-jogador Leônidas da Silva, o “Diamante Negro”, e também Vicente Feola, que viria a comandar a Seleção Brasileira campeã do mundo em 1958. Pelo São Paulo, faturou o Torneio Lineu Prestes, em 1950, e, em 1951, excursionou com o tricolor pela Europa, disputou também o Torneio Rio-SP , Campeonato Paulista, sempre como titular e marcando vários gols. No mesmo período outra revelação do Dragão jogou também no São Paulo, o irmão de Dido, chamado Pixo. O Atlético Goianiense é o primeiro clube goiano a revelar e exportar grandes jogadores que fariam sucesso nos grandes centros do futebol.
O Tricolor Paulista marca mais uma vez a vida do Dragão nos anos 50, exatamente no dia 31 de maio de 1958, no Estádio Olímpico em Goiânia, o Atlético Goianiense vence o São Paulo por 1 a 0 e se torna o primeiro clube do Estado a vencer um dos grandes do Eixo RJ-SP. Parecia mentira, mas o rubro negro vencia o campeão paulista do ano anterior, um time que tinha em campo nada mais nada menos que os craques de Seleção Brasileira: Zizinho e Canhoteiro. Mas, se engana quem acha que isso amedrontou os talentosos e briosos jogadores do Bairro de Campinas. O time que tinha Fabinho, Tonho Matadouro, Plínio e Osvaldinho, escrete que no ano anterior havia conquistado o título goiano de forma invicta, foi lá e venceu frente à sua torcida apaixonada que lotou o estádio, à época a maior torcida do Estado.
O futebol goiano tinha pouca visibilidade e recebia pouca atenção no cenário nacional da época, anos 50, portanto o fato de um clube local ganhar de um dos grandes do Eixo RJ-SP era uma façanha extraordinária. Os jogadores de Seleção, os grandes craques, estavam quase todos em São Paulo e no Rio de Janeiro. Para termos uma idéia da grandiosidade desse feito, do pioneirismo do Dragão, um outro clube da capital como o Goiás, por exemplo, só foi conseguir sua primeira vitória contra uma equipe desse porte 15 anos depois, nos anos 70.
Agora vamos puxar esses encontros entre o clube do Accioly e o clube do Morumbi para os anos 80? Exatamente no ano de 1980 o Dragão disputou seu 4° Campeonato Nacional, as duas equipes se enfrentaram no Estádio Serra Dourada, tivemos um 0 a 0 que pode ser considerado uma vitória para o Dragão, pois foi um embate de Davi contra Golias. Frente à sua fanática torcida o Dragão encarou um São Paulo cheio de estrelas, que, aliás, seria o campeão paulista daquele ano, destaque para o atacante Serginho Chulapa, jogador que estava em seu auge, às vésperas de ir para uma Copa do Mundo. Mas, do lado do Dragão tínhamos também jogadores marcantes, como Chiquito e Wilson Sorriso, e lá na frente faziam bonito Valtair, Bugre e Luis Poiane.
Chegamos agora aos anos 90. O São Paulo era a mania entre a garotada em Goiânia, as camisas do tricolor eram uniformes de muitos amigos meus na nossa peleja diária de “golzinho”, no asfalto quente do fim da tarde, bem ali em frente a Igreja Batista. Eu morava a poucos metros do nosso “campo de jogo”, na rua 03, em frente ao 3º distrito policial e a poucas casas da Igreja, vivíamos no Setor Marechal Rondon, mas chamávamos o Bairro de “Fama”, e, na verdade, na verdade , era tudo “Bairro de Campinas”, porque um tantinho que andássemos já estávamos à beira da Avenida 24 de Outubro e do Estádio Antonio Accioly, referência para nós campineiros. Eu, se não me converti ao “sãopaulinismo”, tinha um grande amigo, sãopaulino fanático, Ozéias André, parceiro de golzinho, que não parava de falar de Muller, Raí, Cafu e cia. Por vezes fazíamos dos muros da rua a nossa trave, o nosso gol, e quando um chutava a bola o outro defendia e gritava “Salvaaa Zettiii”, em referência ao goleiro tricolor, chamado Zetti, campeão mundial em 91 e 92. Tempos bons.
Mas, além de jogos marcantes, inspirações, e lembranças do cronista, essa dupla, Rubro-Negro Goiano e Tricolor Paulista, tem pontos de encontro que passam por craques que vestiram as duas camisas e deram alegria a ambas torcidas. Os zagueiros Tecão e Estevão, Pixo e Dido, Lourival, Mateus Caramelo, entre alguns outros, vestiram e honraram os dois mantos. Porém, quando alguém perguntar quais foram as maiores contratações de astros do futebol que o Atlético Goianiense já fez, lembremos que foram de dois jogadores que ganharam títulos nacionais com o São Paulo. Aliás, estão entre as grandes contratações da história do futebol goiano.
Um deles foi Mirandinha, imaginemos o que era para o Dragão contratar um jogador, atacante, que fez vários jogos como titular na Copa do Mundo, em 1974, campeão brasileiro com o São Paulo, em 1977, e que, após sair do São Paulo, teve uma rápida passagem pelo Tigres do México para logo em seguida desembarcar em Goiânia, ficando no Dragão nos anos de 1980 e 1981. Se não demonstrou todo o futebol que a torcida gostaria, ficou marcado por vitórias em clássicos e por dar visibilidade nacional à camisa do Dragão Campineiro. A segunda maior contratação do Atlético, na humilde opinião deste cronista, foi a de Sidney, em 1990, que viria ser campeão brasileiro da série C com o Atlético naquele ano. Sidney foi Campeão Paulista pelo São Paulo em 1987 e em 1985 (fazendo gol na final) e também Campeão Brasileiro em 1986, sendo um dos jogadores de destaque do elenco, foi da chamada geração de ouro da base do tricolor, ao lado de Muller e Silas, chamados de “Os Menudos do Morumbi”. Foi um dos 29 jogadores convocados por Telê Santana para os preparativos da Seleção Brasileira para a Copa do Mundo de 1986, tendo feito vários jogos, e só foi cortado da equipe que foi para a França na última hora.
No caminho inverso, pensando em jogadores que sairam do Dragão para dar alegrias ao São Paulo, temos o jogador Valdeir, o “The Flash”, revelado pela base do Dragão, Campeão Goiano em 1988 e que, pelo São Paulo, na temporada de 1993, fez parte do elenco Campeão Mundial no Japão, foi Campeão da Recopa Sul-americana e, teve atuação de destaque na conquista da Super Copa Libertadores, em que marcou dois gols na campanha do tricolor que deixous para trás Flamengo, Santos, Boca Juniors e River Plate, entre os vários particicipantes da competição. E agora, na temporada 2020, outra cria da base atleticana é motivo de felicidade para os sãopaulinos, simplesmente o artilheiro da equipe no Brasileirão, com 16 gols até a 32ª rodada do campeonato. Estamos falando do atacante Luciano, revelado pelo Atlético e promovido ao profissional no ano de 2012, ano em que marcou seu primeiro gol pela Série A.
É tanta história que os dedos correm soltos e o tempo passa sem percebermos, mas, para finalizarmos, é necessário falar da paixão, incomum para torcedores de outros clubes, e familiar para sãopaulinos e atleticanos, nossso orgulho em termos como ídolos os chamados “Goleiros-Artilheiros”. Isso aí, os dois goleiros brasileiros que mais fizeram gols na história do futebol mundial são dessas equipes, Rogerio Ceni, com131 gols pelo São Paulo, e Márcio, com 37 gols pelo Dragão.
Rogério Ceni e Marcio protagonizaram embates marcantes. Um deles foi em 2010, mais de 30.000 presentes no Estádio Serra Dourada, o São Paulo já sem pretensões, o Dragão lutando contra o rebaixamento. O técnico Renê Simões convocou o torcedor e os rubro-negros fizeram sua parte, mais de dois terços dos presentes eram atleticanos. Lá encontrei meu pai, meus amigos... era tanta gente que muitos nem conseguiram ingresso e ficaram de fora. Dentro de campo, um 1 a 1 e a certeza de que nossa torcida fazia a diferença. No ano seguinte, 2011, o Dragão aplicou uma goleada de 3 a 0 sobre o tricolor, nesse mesmo Serra Dourada, para quase 25.000 presentes, e em 2012, ganhamos pelo placar de 4 a 3. Digamos que o atleticano tem boas lembranças desses confrontos dos anos 50 até os anos mais recentes.
São décadas que marcam duas equipes de tradição, clubes que valorizam muito seu estádio próprio e suas histórias. Morumbi e Accioly, erguidos com a ajuda, com a paixão e com o empenho de torcedores e de dirigentes apaixonados. Que o futuro reserve a cada dia mais clássicos e encontros marcantes entre esses dois clubes tão amados pelos fundadores do nosso Dragão.
Ps: Muitos dos dados utilizados nessa crônica são oriundos das pesquisas realizadas pelo Projeto Futebol de Goyaz, bem como de livros e crônicas sobre o Futebol Goiano, e de entrevistas, depoimentos de atleticanos e pesquisas e experiências do próprio autor.
Paulo Winicius "Maskote" – Diretor de Patrimônio Histórico e Cultural do Atlético Goianiense, Historiador, Professor, Doutorando em História pela USP, Sócio Proprietário do Atlético.
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